Empresas como Amazon, Microsoft e Google estão operando e construindo centros de dados em algumas das regiões mais secas do mundo, segundo uma investigação conjunta da organização SourceMaterial e do jornal The Guardian. A expansão ocorre em meio a uma crescente demanda por armazenamento em nuvem e inteligência artificial (IA), mas levanta preocupações sobre o impacto nos recursos hídricos de populações já afetadas pela escassez.
Com apoio declarado de Donald Trump, as big techs planejam centenas de novos data centers nos Estados Unidos e em outros continentes, mesmo em locais que enfrentam estresse hídrico. “A questão da água vai se tornar crucial”, alertou Lorena Jaume-Palasí, fundadora da Ethical Tech Society, ao The Guardian. Segundo ela, será difícil garantir resiliência hídrica nessas comunidades à medida que a expansão avança.

Instalações de data centers em áreas críticas e consumo elevado pelas big techs
- A análise da SourceMaterial identificou 38 centros de dados ativos e 24 em construção em áreas com escassez hídrica.
- As empresas não divulgam os locais com facilidade — tratam-se, muitas vezes, de informações protegidas por sigilo comercial.
- Ainda assim, a organização mapeou 632 centros pertencentes à Amazon, Microsoft e Google, o que representa um aumento de 78% no número total de instalações dessas empresas ao redor do mundo.
- Boa parte desses centros está sendo erguida em regiões áridas, pois precisam ser construídos longe do mar — a baixa umidade reduz a corrosão dos componentes metálicos, ao contrário da água salgada.
- O problema é que essas estruturas demandam grande volume de água para resfriamento dos servidores.
- Segundo a própria Microsoft, 42% da água que utiliza provém de áreas com estresse hídrico. A Google declarou 15%. A Amazon não apresentou números globais.
Caso na Espanha evidencia disputa por recursos
Na região de Aragón, no norte da Espanha, a Amazon planeja construir três novos centros de dados próximos a unidades já existentes. Juntas, essas instalações têm licença para consumir 755 mil m³ de água por ano — volume suficiente para irrigar cerca de 233 hectares de milho, uma das principais culturas locais. O cálculo não inclui a água usada para gerar a eletricidade que alimentará os centros.
A empresa também solicitou ao governo regional aumento de 48% no consumo de água das unidades já existentes. A medida provocou reações, com críticas sobre a tentativa de aprovação durante o período natalino. Para a campanha Tu Nube Seca Mi Río (“Sua nuvem está secando meu rio”), a expansão deveria ser suspensa diante da crise hídrica. “Estão usando água demais. Estão usando energia demais”, a porta-voz do movimento, Aurora Gómez, afirmou à reportagem investigativa.
Agricultores também manifestam preocupação. Chechu Sánchez, que cultiva no norte de Aragón, diz temer que a água destinada às plantações seja desviada para os centros de dados. “Eles consomem água — de onde tiram? De você, claro”, disse.
Compensação de água não é compensação de carbono
Diante das críticas, as big techs têm prometido se tornar “water positive” até 2030 — ou seja, devolver à natureza mais água do que consomem. No caso da Amazon, a empresa afirma já compensar 41% de sua utilização em áreas consideradas insustentáveis. No entanto, o modelo é questionado por especialistas, que apontam a diferença entre a lógica do carbono e da água: o impacto hídrico é local e não global, logo não pode ser anulado em outra região.
Nathan Wangusi, ex-gerente de sustentabilidade hídrica da Amazon, deixou a empresa após se posicionar contra esse modelo. “Levantei a questão nos lugares certos: isso não é ético”, declarou. Ele defende que a companhia apoie projetos de acesso à água por princípio, não como estratégia de marketing.
Expansão também atinge o sudoeste dos EUA
Nos Estados Unidos, onde estão localizados o maior número de centros de dados do mundo, o Google lidera a construção em regiões áridas. A empresa tem sete centros ativos em áreas com escassez de água e constrói mais seis. Em Mesa, Arizona, a empresa possui licença para usar até 5,5 milhões de m³ de água por ano, o equivalente ao consumo de 23 mil habitantes. A cidade, que abriga outros centros da Meta e da Microsoft, enfrenta seca extrema.

“Temos que ser muito protetores em relação ao crescimento de grandes consumidores de água”, alertou a vereadora de Mesa, Jenn Duff. Kathryn Sorensen, professora da Universidade Estadual do Arizona, questionou se o aumento na arrecadação e a geração de empregos justificam o uso intensivo de água. “Cabe aos conselhos municipais analisar cuidadosamente os riscos e benefícios”, disse.
O Google afirma que seus centros de dados em Mesa usarão sistemas de resfriamento por ar, que consomem menos água. A empresa diz adotar uma estratégia chamada “resfriamento consciente do clima”, que busca equilibrar o uso de energia livre de carbono com fontes de água sustentáveis.
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Projeto Stargate e disputa global
Em janeiro, na Casa Branca, Trump anunciou o “Projeto Stargate”, descrito como o maior projeto de infraestrutura de IA da história. O investimento de US$ 500 bilhões reunirá empresas como OpenAI, Oracle, SoftBank e o fundo MGX, com início no Texas. Nenhum detalhe foi divulgado sobre o uso de água nos centros previstos.

Na véspera, a chinesa DeepSeek anunciou um modelo de IA desenvolvido com menor uso de energia e água, em contraste com rivais ocidentais. Já a Microsoft publicou planos para um centro de dados com uso zero de água, enquanto o Google também promete reduzir consumo, embora sem detalhes técnicos sobre o funcionamento dos novos sistemas.
“Vou acreditar quando vir”, afirmou Jaume-Palasí. Segundo ela, a maioria dos centros hoje está migrando do resfriamento por ar para o líquido, mais eficiente no processamento de cargas de IA. “Nem pessoas nem dados sobrevivem sem água”, disse Aurora Gómez. “Mas a vida humana é essencial. Os dados, não.”
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