Um artigo publicado nesta quinta-feira (10) na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society revela a possível descoberta de uma população de galáxias “escondidas”, que pode mudar tudo o que se sabe sobre a formação e evolução do Universo. Se confirmado, os modelos atuais sobre o número de galáxias e sua história podem estar incompletos – ou mesmo errados.
Essas galáxias seriam tão fracas e distantes que nunca haviam sido detectadas antes. No entanto, mesmo invisíveis aos telescópios tradicionais, sua luz infravermelha pode ter um papel importante no “balanço energético” do Universo. Segundo os cientistas, a luz combinada dessas galáxias poderia preencher exatamente a quantidade de energia infravermelha que faltava nas medições anteriores.
A descoberta surgiu a partir da imagem mais profunda já feita do Universo em luz infravermelha distante. A imagem foi criada por uma equipe liderada pelo centro britânico STFC RAL Space e pelo Imperial College London, usando dados do telescópio espacial Herschel, da Agência Espacial Europeia (ESA). Quase duas mil galáxias distantes aparecem nesse “retrato profundo” do cosmos.
Galáxias empoeiradas são ambiente ideal para formação de estrelas
Líder do estudo, o astrofísico Chris Pearson, do STFC RAL Space, disse em um comunicado que os cientistas “foram além do que normalmente conseguimos enxergar” e podem ter revelado uma nova classe de galáxias, antes ocultas por sua fraqueza e pela poeira cósmica. “Estamos sondando a luz mais fraca já observada no Universo”.
Para construir essa imagem ultradetalhada, os astrônomos empilharam 141 registros diferentes captados pelo instrumento SPIRE do Herschel. A sobreposição das imagens permitiu enxergar muito mais fundo no Universo do que qualquer outra observação anterior do telescópio. O resultado foi chamado de “Herschel-SPIRE Dark Field”.
Com essa técnica, foi possível enxergar galáxias extremamente empoeiradas – ambientes ideais para a formação de novas estrelas. Além disso, a imagem ajudou os cientistas a entender melhor como varia a quantidade de galáxias em diferentes níveis de brilho e qual a contribuição de cada uma para a energia total do Universo.
No entanto, a profundidade da imagem trouxe um desafio: as galáxias começaram a se sobrepor tanto que ficou difícil distinguir onde começava uma e terminava outra. Segundo o pesquisador Thomas Varnish, do MIT, foi preciso recorrer à estatística para tentar decifrar o “borrão” cósmico. Ele é autor de um segundo artigo da mesma pesquisa, com foco nessa análise.
Varnish explicou que, ao aplicar técnicas específicas, foi possível detectar sinais de uma população inteira de galáxias fracas que estavam escondidas na imagem. “Elas são tão apagadas que não podem ser vistas pelos métodos convencionais. Mas parecem estar lá”. Se confirmadas, essas galáxias obrigariam a ciência a rever o que se entende hoje sobre o crescimento do Universo.
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Uma visão para olhos mais apurados
Agora, os pesquisadores querem buscar mais evidências observando o céu em outros comprimentos de onda. O objetivo é confirmar a existência dessas galáxias e entender seu papel na história do cosmos. Como muitas delas estão envoltas em poeira, só telescópios sensíveis à luz infravermelha conseguem “enxergar” suas emissões.
Pearson explica que, ao observar o Universo com telescópios normais, os astrônomos veem apenas metade da história. “A outra metade está escondida pela poeira interestelar. Essa poeira absorve a luz das estrelas e reemite em forma de radiação infravermelha”. Para entender o todo, é preciso ver o céu tanto na luz visível quanto na infravermelha.

O telescópio espacial Herschel, ativo entre 2009 e 2013, foi projetado justamente para estudar o Universo nessa faixa de luz. Seu instrumento SPIRE era responsável por observar os comprimentos de onda mais longos do infravermelho. Mesmo após mais de uma década, seus dados continuam rendendo novas descobertas.
David Clements, astrofísico do Imperial College e coautor da pesquisa, destacou o valor duradouro do legado do Herschel. “Ainda estamos tirando conclusões importantes a partir dos dados dele, mais de 10 anos depois. Mas agora precisamos de novos instrumentos para avançar”.
É por isso que os cientistas estão propondo uma nova missão: o telescópio PRIMA (sigla em inglês para algo como “Missão Sonda de Infravermelho Distante para Astrofísica”). A ideia é criar um observatório com capacidade para observar o Universo em infravermelho distante, cobrindo uma lacuna deixada entre o James Webb e os radiotelescópios. A proposta, apoiada por várias instituições do Reino Unido, já está nas mãos da NASA.
O PRIMA seria um telescópio com espelho de 1,8 metro, projetado para capturar imagens e fazer análises espectrais em luz infravermelha. Ele é uma das duas propostas finalistas para a próxima missão científica da NASA, no valor de US$1 bilhão. A decisão final deve sair em 2026. Até lá, as galáxias ocultas continuarão desafiando os limites da nossa compreensão do Universo.
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